quarta-feira, 31 de agosto de 2016

somenos




Não há um desejo de se lamentar por aqueles a quem fomos incapazes de amar, um amor que não alcança as "condições de existência"?
Judith Butler - The Psychic Life of Power

Abre [a porta] a quem não bater em tua porta.
Fernando Pessoa - Poesias Coligidas

Ser insignificante e continuar sendo. E, se uma mão, uma circunstância, uma onda me erguesse e me levasse até o alto, onde reinam o poder e o crédito, eu destruiria o estado de coisas que me fosse favorável e me lançaria no fundo da escuridão baixa e fútil. Só consigo respirar nas regiões inferiores.
Walser - O Instituto Benjamenta

eu sou aquele que qualquer um pode substituir, o não-indispensável por definição e aquele que, no entanto, não pode se dispensar de responder por e para o que não é: uma singularidade de empréstimo e de acaso - aquela do refém, que é, sem consentir, a garantia, não escolhida, de uma promessa que ele não fez, o insubstituível que não detém seu lugar.
[...]
Que outrem não tenha outro sentido senão o recurso infinito que eu lhe devo, que ele seja o chamado ao socorro sem termo [...], me faz desaparecer no movimento infinito do serviço onde eu não sou senão um singular temporário, um simulacro de unidade [...] uma exigência [...] que me excede de todas as maneiras, até me desindividualizar.
[...]
Minha responsabilidade por Outrem supõe uma ruptura tal, que não se distingue senão por uma mudança de estatuto de "eu", uma mudança de tempo e talvez uma mudança de linguagem. Responsabilidade que me retira de minha ordem - talvez de toda ordem - e me descarta do eu (na medida em que eu é o mestre, o poder, o sujeito livre e falante), descobrindo o outro em vez de mim, me permite responder pela ausência, quer dizer, pela impossibilidade de ser responsável, à qual essa responsabilidade sem medida já sempre me jurou, me devotando e me desorientando. (grifos e tradução meus)
Maurice Blanchot - L'Écriture du Désastre